sexta-feira, dezembro 03, 2010

TEMPORALIDADES EM MANOEL DE BARROS:
EDUCAÇÃO AMBIENTAL & CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA

Maria Elizabete N. de Oliveira
GPEA- CEFAPRO/CÁCERES
maria.elizabete@seduc.mt.gov.br
Michèle Sato
GPEA-UFMT
michelesato@ufmt.com.br

Esta abordagem apresentará uma das inúmeras possibilidades de fruição advinda das palavras poéticas de Manoel de Barros. Para tal, recorremos aos princípios teóricos de alguns autores que também percebem nas (des)razões da poesia, alternativas de aprendizados ímpares. Com essa possível reflexão, trazemos para o diálogo o alicerce fértil e complexo da Educação Formal, por meio das experiências nas andarilhagens realizadas pelas Escolas Estaduais atendidas pelo CEFAPRO - Centro de Formação de Professores de Cáceres/MT. Como professora formadora foi possível presenciar, por inúmeras vezes, as angústias dos educadores com os princípios éticos da Escola organizada em Ciclos de Formação Humana, almejada pela SEDUC – Secretaria do Estado de Educação de Mato Grosso. Nesta vertente, nos perguntamos se não são os educandos ou o conjunto de seres humanos que perfazem a unidade escolar, os sujeitos que poderiam ter respostas mais efetivas, para contemplar as arguições dos educadores. Afinal, um dos princípios da política/pedagógica do Estado traz como urgência o conhecimento sobre as temporalidades humanas. Acreditamos que, o entrelaçamento do saber individual com o coletivo, além de aprofundar nos estudos sobre as diversas produções teóricas acerca da temática supracitada, pode gerar uma contribuição ímpar para que agucemos nossas sensibilidades e façamos girar a espiral caracoliana proferida pelo poeta Manoel de Barros, onde o velho e o novo se imbricam em busca de novas aprendizagens. É, portanto, com este entendimento que trazemos algumas reflexões sobre as temporalidades humanas que fluem das palavras éticas e estéticas do poeta mato-grossense, onde jaz a importância de compreendermos a insignificância do ser, nós mesmos, individual e, clama também para o entendimento do eu-outros, coletivo, em um mundo interior/exterior que clama por Educação Ambiental.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Temporalidades. Ciclos de formação.



TEMPORALIDADES EM MANOEL DE BARROS:
EDUCAÇÃO AMBIENTAL & CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA

Maria Elizabete N. de Oliveira
GPEA- CEFAPRO/CÁCERES
maria.elizabete@seduc.mt.gov.br
Michèle Sato
GPEA-UFMT
michelesato@ufmt.com.br

Esta abordagem apresentará uma das inúmeras possibilidades de fruição advinda das palavras poéticas do poeta mato-grossense Manoel de Barros. Para tal, recorremos aos princípios teóricos de alguns autores que também percebem nas (des)razões da poesia, alternativas de aprendizados ímpares, como, por exemplo: Sato & Passos (2008) os quais acreditam, que muito mais que uma mudança de forma, é preciso uma transcendência de valores; Antonio Candido (1999) para quem tirar a fruição da poesia seria como mutilar a própria humanidade; Miguel G. Arroyo (2009) para o qual o tempo cronológico, linear, respeitado pelas instituições de ensino, muitas vezes, mutila a imagem do educando, sacrificando o que ele tem de mais significativo, sua história, cultura, etnia e aptidões; Paulo Freire (1987), que acredita não ser possível viver sem penetrar profundamente no mundo das diversas linguagens, no universo pluridimensional dos sonhos, dos delírios, da política, do devaneio, que, por sua vez, também faz parte do mundo real, a esse respeito o exímio educador declara que:
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vistas sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar, não é possível (FREIRE, 1987, p, 64).

Com essa possível reflexão é que trago para diálogo o alicerce fértil e complexo da Educação Formal. Para tal, vale relatar uma das experiências nas nossas andarilhagens pelas Escolas Estaduais do Polo de Cáceres/MT. Como professora formadora do CEFAPRO - Centro de Formação de Professores – presenciamos, por inúmeras vezes, as angústias dos educadores com os princípios da Escola organizada em Ciclos de Formação Humana, almejada pela SEDUC – Secretaria do Estado de Educação de Mato Grosso. Nesta vertente, nos perguntamos se não são os educandos ou o conjunto de seres humanos que perfazem a unidade escolar, os sujeitos que poderiam ter respostas mais efetivas, para contemplar as arguições dos educadores. Afinal, um dos princípios da política/pedagógica do Estado traz como urgência o conhecimento sobre as temporalidades humanas. Acreditamos que, o entrelaçamento do saber individual com o coletivo, além de aprofundar nos estudos sobre as diversas produções teóricas acerca da temática supracitada, pode gerar uma contribuição ímpar para que agucemos nossas sensibilidades e façamos girar a espiral caracoliana do poeta Manoel de Barros, onde o velho e o novo se imbricam em busca de novas aprendizagens. A esse respeito descreve Arroyo (2009):
A melhor maneira de descartar a ideia de que ciclos não passam de moda e a melhor maneira de não confundir ciclos com amontoado de séries, nem com respeito aos ritmos, nem com progressão contínua ou descontínua, é aproximar-nos do acúmulo teórico que existe sobre temporalidades humanas. [...] perguntar as ciências como a história, a antropologia, a sociologia ou a psicologia, aproximar-nos de suas pesquisas e sua produção. Perguntar as artes e as letras: filmes, teatro, romances, literatura infantil, adolescente e juvenil. Perguntar-nos a nós mesmos sobre nossas lembranças dos tempos vividos, inclusive de cada tempo vivido na escola (ARROYO, 2009, p.256-257).

É possível perceber com as palavras de Arroyo que para o entendimento sobre o ciclo de Formação Humana jaz a importância de compreendermos a insignificância do ser, nós mesmos, individual e, clama também o eu-outros, coletivo. Essa compreensão, no entanto, é uma tarefa árdua, já que requer tirar o individualismo da centralidade e dar lugar as subjetividades humanas. Para tal, necessário compreender o contexto individual de cada ser humano no âmbito coletivo no qual se inserem. Espaço coletivo, no qual também estamos inseridos com nossas escolhas e opções.
Ao trazer para o cerne da discussão o poeta Manoel de Barros, queremos suscitar para com um ser humano que apresenta, em caráter exímio, o respeito às temporalidades. Essa afirmativa advém do substrato de suas poesias, nas quais o mesmo apresenta as fases humanas pautadas no princípio ético-político. Onde é perceptível o individual-múltiplo que habita em cada um de nós, nesse sentido importante descrever as palavras do poeta - Os outros: o melhor de mim sou Eles (BARROS, 2004, 73).
A não adesão aos saberes múltiplos que contemplam as realidades humanas, portanto, comprometem significativamente o entendimento sobre o ciclo de formação humana, pois impossibilita o ser humano a ver além do que está prescrito em normas e leis institucionais, compreender o Ciclo de Formação Humana requer um entendimento para além da mudança de nomenclatura, requer um entendimento ético acerca de valores e princípios baseados nos direitos inalienáveis do ser humano, direito à vida intricado nesta, também o direito ao sonho, a perspectiva de um futuro melhor. Como diz o nosso poeta, as verdades podem não ser (BARROS, 2005, p.31).
Ao trazer o poeta e a Educação Ambiental para este diálogo queremos deturpar a visão de mundo utilitarista e contemplar a possibilidade de um olhar sensível sobre o outro e sobre as coisas do mundo, que nos dignificam enquanto seres humanos pautados em sonhos, experiências e memórias. Este, talvez seja um dos grandes problemas da educação, a falta de compreensão acerca da pluralidade. Melucci (1992, p. 27) enfatiza que:
A pesquisa de uma unidade nos coloca hoje em dia em confronto com uma separação crescente entre o tempo do relógio e o do calendário e o tempo interno. É sobre essa separação que se joga o desafio do cotidiano, que consiste em encontrar um fio, uma continuidade entre as partes da experiência.

Colocar em prática o Ciclo de Formação Humana, portanto, não é possível apenas alterando nomenclaturas institucionais que regem o fazer pedagógico nas escolas, é urgente uma ressignificação de todos os valores instituídos no cerne da estrutura pedagógica, talvez começando pela compreensão de nós mesmos, só assim, acreditamos ser possível a trajetória pelo respeito à diversidade. Tal qual Nilton Bueno Fischer (2004, p. 38), acreditamos que:
Ciclos são tempos de vida que pulsam dentro e fora do espaço escolar. [...] A escola con-vive com tempos externos e internos, de todos aqueles atores que estão no espaço escolar. Professores e alunos devem autorizar-se a expressar esses seus tempos por meio da verbalização de valores. A escola, querendo ser freireana em seus fundamentos, precisa estar atenta a uma escuta densa de seus alunos para além do tempo imediato de uma pesquisa centrada somente na observação direta. Essa escuta densa inclui uma compreensão mais aprofundada de “como” os registros do cotidiano dos alunos e de seus pais estão construídos por meio de interações com o entorno social onde vivem.

Nesta compreensão, encontramos âncora nas proposições da Educação Ambiental que propõe a busca por sociedades sustentáveis, onde o ser humano é sentido envolto aos seus sonhos, conflitos e espaço, trazendo a urgência da busca por mais equidade social e humana. Este talvez seja o equilíbrio a ser buscado na educação escolarizada, um perceber o outro que transgrida a cultura dominante, que para além da busca pela harmonia, seja possível perceber nas assimetrias as redes de imbricações que permeiam o universo humano.
Ao aproximarmos a Educação à poesia, não temos a pretensão de subjetivar a educação nem tão pouco objetivar a poesia, mas trazê-las como possibilidades de diálogos que podem contemplar alguns dos anseios e reflexões sobre o aprendizado formal, advindo das instituições de ensino. Para tal, sugerimos que nos deixemos contaminar pela po-ética de Manoel de Barros, na perspectiva de percebermos outras possibilidades de saberes e vivências articuladas em bases não tão fixas ou homogêneas como as apresentadas pela educação seriada, com isso mostrar que, muitas vezes, as lacunas desse saber instrutivo podem advir dos múltiplos fatores e mediações que são anulados em prol do conhecimento técnico.
Ao considerar as diversidades como aliadas na reconstrução de sentidos, teremos uma educação inclusiva e, portanto, mais justa. Esse aprendizado de valoração da diversidade centrada nos seus conflitos e idiossincrasias é um dos sonhos da Educação Ambiental de viés fenomenológico, pois contempla não apenas o ser humano, mais as outras coisas presentes no cosmo, haja vista, que o ser humano não é apenas corpo material, com ele carrega seus sonhos, sua cultura, sua etnia, enfim o seu contexto, a sua vida. Esta pensada na sua plenitude de sentidos, onde ser humano/mundo se completa, este é o clamor dos tempos da existência. Portanto, ao querer pensar em Ciclos de Formação Humana na instituição escolar é necessário, em princípio, uma reflexão contundente sobre a estrutura pedagógica atual.
A poesia surge como possibilidade de tirar a rigidez que impregnamos ao sistema educacional, mostrando que por meio de sua fruição, há outras probabilidades de apreender sobre as trajetórias humanas. A palavra de Manoel de Barros nos incita a perceber e a sentir a poesia que veicula no mundo vivido e, também no mundo sonhado pelos seres humanos, nenhum nem outro, estão, totalmente, destituídos do olhar poético, os dois perfazem um mesmo universo. É possível vislumbrar que, para contribuirmos com um aprendizado ético, precisamos considerar as trajetórias humanas na espiral do tempo vivido pelos sujeitos, carregado de sonho e de esperanças. Nesse sentido, o tempo da vida deturpa o tempo cronológico talhado pelo olhar convencional.
Manoel de Barros é um deturpador da imagem linear de seres humanos que estamos habituados a visualizar, pois ele transita livremente por vários tempos. Somos durante toda nossa trajetória de vida classificado pela faixa etária, gênero, etnia, entre outros aspectos, os quais nos impõem o comportamento que devemos ter de acordo com as convenções sociais, culturais e ambientais. Considerando a poética manoelina precisamos viver e deixar viver as diversas temporalidades da vida, voando livremente por uma ou outra, adquirindo aprendizagens, complementando saberes. Como educadores precisamos nos permitir essa transcendência. Quem sabe, movimentando o sentido proveniente da frase que, humildemente o poeta diz ter colhido em Rimbaud, onde descreve que é preciso – perder a inteligência das coisas para vê-las (BARROS, 2007, p.17).
Arroyo (2009) salienta que [...] - cada idade, cada raça e cada gênero tem seu mistério, sua magia e sua cruel verdade existencial – [...] e acrescenta a respeito da missão de educar:
As linguagens literárias e cinematográficas captam esses mistérios, essa magia e essas verdades. Uma rica e possível fonte de trocas para toda pedagogia que pretenda recuperar a verdade existencial e também a magia dos ciclos da vida com que convivemos por ofício (ARROYO, 2009, p. 296).

O autor nos incita a perceber outras verdades aquém de uma única verdade a qual nos impõe a sociedade, há outras possibilidades se considerarmos não o tempo linear, mas o tempo da vida, que por si só, é passível de discrepâncias entre um e outro ser humano. É com este olhar, que o poeta mato-grossense, por inúmeras vezes, nas suas abordagens incita-nos a percepção da espiral de conhecimento que transita por entre os ciclos da vida. Para tal, recorre ao seu mundo vivido impregnado do sensível, destacando as aprendizagens que recebeu nas diversas fases de sua vida, trazendo liames para que compreendamos o seu mundo sonhado, delirado.
Quando inferimos a fruição poética, queremos incitar pelo sobrevoo que advém do seu poder criador, humanizante, ético-político, não como função ou imposição formal, mas como fluidez capaz de movimentar o que o ser humano tem de mais especial, o sentimento. Ou seja, um saber que contradiz o trato com a poesia, vislumbrado por meio de análises linguísticas ou aporte para sustentar saberes convencionais, mas como elemento capaz de reavivar os sentidos adormecidos pela sociedade atual, que podem contribuir para que entendamos alguns princípios dos Ciclos de Formação Humana. Sentidos estes, que acreditamos, permanecem latentes e intactos no ínfimo dos seres humanos e, que se movimentados, podem fazer girar a espiral de um mundo mais ético e justo. Neste foco, vale coadunar com a abordagem de Rubem Alves (2005, p. 15), quando discorre que:
A vida é muito mais que a ciência. Ciência é uma coisa entre outras, que empregamos na aventura de viver, que é a única coisa que importa. É por isso que, além da ciência, é preciso a sapiência, ciência saborosa, sabedoria, que tem a ver com a arte de viver. Porque toda a ciência seria inútil se, por detrás de tudo aquilo que faz os homens conhecer, eles não se tornassem mais sábios, mais tolerantes, mais mansos, mais felizes, mais bonitos... Ciência: brincadeira que pode dar prazer, que pode dar saber, que pode dar poder.

É possível perceber a brincadeira do poeta Manoel de Barros com as palavras, onde por intermédio de um jogo sensorial, o poeta envolve o seu interlocutor de forma prazerosa, deixando fluírem sentidos por meio também da autonomia criadora do seu interlocutor, com isso mostra também a nossa capacidade de conquistar o poder por meio das coisas ínfimas. Vale ressaltar que, ao contrário do que muitos educadores pensam, o Ciclo de Formação Humana não retira o poder, a autoridade do educador, ao contrário, fortalece-a ao tentar eliminar o autoritarismo. Incita o educador a perceber as questões internas que perfazem a consciência humana.
Talvez uma das maneiras possíveis de perceber e refletir sobre as temporalidades humanas em Manoel de Barros, seja por intermédio do seu idioleto manoelês archaico , ou por uma desviação ortográfica para o archaico, pela qual o poeta incita-nos a perceber a descontinuidade do tempo. Ao fazer uso da primeira pessoa do singular o poeta corrompe a linha cronológica, caminha aos avessos; o que contempla nossas proposições de que para se conhecer é necessário considerar o eu, o outro e o contexto (FREIRE, 1999). Nesta perspectiva, o poeta nos contempla com um olhar criador sobre a riqueza de saberes que estão circulando à nossa volta. Relação EU-OUTRO-MUNDO que não se dá de forma linear, cronológica. Afinal, podemos sentir diversas fases humanas, em um mesmo período de existência, onde eu sou eu e os outros ao mesmo tempo.
Manoel de Barros, em várias abordagens, declara que para viver é preciso ser, é preciso sentir, assim ao entendermos as multiplicidades de trajetórias humanas estamos sendo individuais e múltiplos em um mesmo tempo. A esse respeito Adauto Novaes (2009, p. 33), também aborda que “sentir é compreender o outro, no sentido de contê-lo e ser contido por ele, num conjunto afetivo que transcende a diferença que separa o eu e o outro”. Ou seja, para sentir o outro, acreditamos que é preciso vivê-lo, fazer parte de sua história, com suas experiências, conflitos, culturas e valores. Assim, é possível transgredir novamente a linha temporal cronológica, pois estas experiências nos abrem espaços para viver temporalidades humanas diferenciadas, independente da nossa faixa etária. Talvez, a melhor forma de conhecermos a nós mesmos, seja por meio da ressignificação dos sentidos e valores que nos foram impostos durante décadas da nossa trajetória enquanto ser no mundo. Nesse sentido, aborda o poeta, “melhor jeito que achei para me conhecer melhor foi fazendo o contrário” (BARROS, 2004, P.67). Considerando tais proposições, vale abordar alguns fragmentos da poética de Manoel de Barros:
(...)
Meu avô sabia o valor das coisas imprestáveis.
Seria um autodidata?
Era o próprio indizível pessoal. (BARROS,2004, p.27)
A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! O livro está de cabeça pra baixo. Estou deslendo (BARROS,2004, p.30)
(...)
- Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu , entrem dentro (BARROS, p.21).
Meu irmão veio correndo mostrar um brinquedo que
inventara com palavras. Era assim:
Besouros não trepam no abstrato (BARROS, p.23).
Hoje completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com palavras. Minha mãe gostou. É assim:
De noite o silêncio estica os lírios (BARROS, p.33).

Se compreender o outro é vivê-lo, o poeta experimenta outras vivências, portanto, heterogêneo . Ele instiga-nos a refletir sobre o fator que determina a cisão entre uma e outra fase da vida, incita-nos a perceber que os seres humanos, acima descritos, se abrem as novidades do mundo. O olhar do poeta, nos fragmentos citados, será um olhar arquitetado sobre qual perspectiva, se considerarmos as temporalidades humanas? E, se levarmos em conta, esta possibilidade de ruptura, de transgressão sugerida pela poesia manoelina, não poderíamos considerar um olhar transversal, que vive as diversas etapas, mesmo estando pairado sobre uma das temporalidades?
Como bem aborda Gaston Bachelard (2002) é preciso considerar que: o próprio olho, a visão pura, fatiga-se dos sólidos. Ele quer sonhar a deformação. Nesse foco, na sociedade que estamos vivenciando, onde tudo nos parece fugaz, os fatos que, naturalmente, eram vistos como imutáveis, clamam por instabilidade. Portanto, torna-se urgente refletir com um olhar entreaberto sobre as coisas, onde a verdade, ao contrário, da posição de poder supremo que antes vislumbrava, começa a sucumbir, mostrando também sua face hibrida. São estas percepções de multiplicidade que permeiam a produção de Manoel de Barros, que a educação ambiental a qual nos filiamos também acredita. Na perspectiva de que, o conhecimento sobre as temporalidades humanas, vislumbrado sobre a ótica manoelina, pode contemplar uma reflexão produtiva em prol do conhecimento coletivo, ampliando, quem sabe, o nosso entendimento sobre o Ciclo de Formação Humana, sugere um respeito ao olhar outro ou outros.
Manoel de Barros ao apresentar os dessaberes que adquiriu na sua trajetória de vida, descreve com maestria e generosidade os saberes advindos das leituras sobre artes, literatura, músicas, bem como dos seres humanos que contribuíram para com a sua história, como, por exemplo: o padre Ezequiel, seu avô, sua mãe, entre outros. Enfim, as leituras e releituras do mundo/vida do poeta nos incitam a contemplar essas aprendizagens, principalmente, por intermédio de suas (des)palavras, as quais nos apresenta um conhecimento primoroso acerca das temporalidades humanas, onde o mundo se encontra pautado em duas esferas irmãs: objetividade e subjetividade. Talvez este conhecimento po-ético proposto por Barros contemple algumas das nossas inquietações sobre os princípios da pedagogia pautada no Ciclo de Formação Humana. Com isso, por meio dos seus desvareios, o exímio poeta mato-grossense nos apresenta o limiar do mundo sonhado. Nesta perspectiva, pode ser que os seres humanos:
[...] descubram no fascínio do conhecimento uma boa razão para viver, se as pessoas forem sábias o bastante para isso, e puderem suportar a convivência com o erro, o não saber e, sobretudo, se não morrer nelas o permanente encontro com o mistério do universo. Assim, cada um poderá se descobrir como ar/tesão que planta, nas oficinas da ciência, as sementes do mundo de amanhã (ALVES, 2005, p. 16).

Na aproximação entre educação e poesia, vale considerar que, talvez haja diferenças significativas. Porém, necessário reconhecer as utopias da educação ambiental, que percebe que na diferença é possível construir continuidades, possibilidades de diálogo, de reflexão, que podem efetivar os anseios de uma educação pautada em bases humanas. Neste sentido, vale à pena pedir licença a Sato & Passos (2008) para transcrever as suas palavras, acerca da busca por identidade e alteridade, à relação supracitada, dizendo que também no campo educacional/ poético:
[...] há uma grande ponte a ser construída não apenas pelo conhecimento, mas pelo re-conhecimento. Re-conhecer implica conhecer o que há no outro de mim e o que há de mim no outro. É, portanto, saber que, para além da diferença, há entre nós também continuidades, campos de referência mútua, de alianças e de similitudes que nos circunscrevem como semelhantes. Conhecer e re-conhecer é campo da ética (SATO & PASSOS, 2008, p. 26).

Tais instigações descritas pelos autores nos sucumbem, enquanto educadores utópicos nos tiram do reducionismo, no sentido de buscar não apenas conhecer a relação entre a educação e a poesia, mas de re-conhecer tais instâncias, a fim de que se possa almejar a diálogo entre a educação e a poesia/vida, relação que empreende as inúmeras subjetividades humanas, na utopia por uma educação que se articula por Ciclo de Formação Humana. Neste teor, talvez valha descrever que a percepção sobre as temporalidades manoelinas, vivenciadas pelo poeta criança/adulto/velho e vice-versa, desta forma mesmo, no plural e ao mesmo tempo, talvez vá mais adiante que a posta pelo sistema educacional, ou seja, ainda nos permitam outras re-leituras, no sentido de que as fases da vida, além de diferenciadas entre um e outro ser humano, também se movimentam freneticamente. Afinal, como bem discorre o nosso poeta nos seus desvareios, é preciso viver, coadunar, para compreender. Assim, talvez possamos contribuir para que surja no entremeio educacional a antropo-ética, abordada por Edgar Morin (2003, p. 106),
considerada como a ética da cadeia de três termos indivíduo/sociedade/espécie, de onde emerge nossa consciência e nosso espírito propriamente humano. Essa é a base para ensinar a ética do futuro. [...] a antropo-ética compreende, assim, a esperança na completude da humanidade, como consciência e cidadania planetária. Compreende, por conseguinte, como toda ética, aspiração e vontade, mas também aposta no incerto. Ela é consciência individual além da individualidade.

Nessa perspectiva, vale reforçar a responsabilidade ética, enquanto educadores, pois de nada adiante a alteração das propostas educacionais, se junto a elas não estiver agregado o nosso projeto de vida, a nossa opção, a nossa utopia e a nossa luta por um mundo mais ético e, portanto, mais humano.
As instigações decorrentes no cerne do trabalho apenas colocam em evidência algumas das incitações incômodas, que são possíveis movimentar por intermédio das palavras de um ser humano sonhador: o poeta mato-grossense Manoel de Barros. Com o qual é possível descrever, que o seu devaneio contagia outros sonhadores que, como ele, também almejam um mundo mais justo e solidário, alicerçado em bases humanas.
Neste sentido, importante trazer para o entremeio desses devaneios po-éticos, os princípios da educação visualizada pela SEDUC - Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso que, acreditamos, almeja um trabalho organizado por Ciclos de Formação Humana, pois vemos neste, a trilha de um caminho promissor em busca da educação po-ética. Uma educação que contempla não apenas as normas instituídas pelo saber formal, mas que também considera os outros saberes que pedem lugar nas instituições de ensino, por meio das subjetividades múltiplas que invadem o espaço escolar, como diz Barros, os saberes que tem valor de fontes. Porém, vale relatar as inúmeras batalhas que teremos que travar contra a estrutura externa e interna, já enrijecida pelo sistema homogêneo e alienante, portanto, de suma importância incitar a abertura ao aprender e ao re-aprender, sem a qual, a tarefa de reestruturar a prática pedagógica será um projeto fadado ao fracasso.
Enfim, há um caminho longo a percorrer, haja vista, as sequelas de um ensino que por décadas impregnou nos seres humanos, o ranço de um ensino excludente e injusto. Assim, a releitura deste, não acontece como em um passe de mágica, muito pelo contrário, muito sangue, acreditamos, será derramado na perspectiva de descentralizar o poder neoliberal. No entanto, felizmente, nada impede que os verdadeiros sonhadores acreditem nas utopias advindas da esperança, pois parafraseando Nietzsche , este caminho escrito com sangue nos fará crer, que o sangue é espírito.

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